Novos caminhos para as bibliotecas e bibliotecários de saúde: curadoria de dados, cloud e web semântica

Authors

  • Paula Sousa Saraiva Universidade de Évora - Doutoramento em Ciências da Informação e Documentação
  • Paulo Quaresma Professor Associado no Departamento de Informática da Universidade de Évora.

Keywords:

Futuro das Bibliotecas, Curadoria Digital, Web Semântica, Nuvem, Competências dos bibliotecários

Abstract

As bibliotecas de saúde, sobretudo as que estão ligadas à universidade, passaram por diversas mudanças na última década, às quais se tiveram que adaptar, reorganizar e planear a oferta de novos serviços mais adequados às novas exigências. Entre as mudanças conjeturais destacam-se:

a) A introdução do processo de Bolonha no ensino superior que tornou o ensino-aprendizagem mais colaborativo e dinâmico, privilegiando o reforço das atividades de investigação científica na comunidade académica e valorizando a literacia da informação como ferramenta de apoio à investigação;

b) A globalização da informação e a mobilidade de alunos e investigadores faz com que o utilizador da biblioteca queira aceder à informação de qualquer parte do mundo;

c) A penetração da Internet, tecnologias móveis e ferramentas sociais no quotidiano dos indivíduos transformou-os em produtores de informação e conteúdos, numa sociedade da informação onde atualmente quase tudo é móvel (os recursos, as pessoas, as comunicações, os serviços, o conhecimento) e permitiu às Bibliotecas desenvolver novos ambientes digitais e serviços baseados nas novas tecnologias emergentes, gerindo vastos conteúdos informacionais e recorrendo à ordem relacional da web semântica e das ontologias para uma melhor gestão documental dos documentos digitais;

d) A existência de uma maior democratização e rapidez de acesso à informação científica, pela partilha em redes colaborativas na web, nos repositórios e dinamizado através do Open Access.

Assim, para além de oferecerem novos serviços baseados nas novas tecnologias como o eLearning, a produção de conteúdos para dispositivos móveis, os estudos bibliométricos, os serviços de referência digital e a interação à distância com os utilizadores utilizando as ferramentas web 2.0, a par de outros serviços também vocacionados para a interação com a comunidade como são por exemplo os serviços de informação ao paciente, as bibliotecas de saúde terão que percorrer novos caminhos para vencerem estes novos desafios e continuarem a ser uma marca de excelência a que habituaram os seus utilizadores e preocuparem-se com novas formas de organizar, gerir e dar acesso futuro aos conteúdos digitais e, sobretudo, aos dados científicos produzidos no âmbito da investigação realizada pela sua comunidade académica.

A gestão e preservação das coleções digitais, torna-se por conseguinte, uma prioridade beneficiando das inovações tecnológicas, que permitem através da web semântica e das ontologias uma melhor organização e recuperação da informação digital.

Ao introduzirmos processos tecnológicos no processo de tratamento documental estamos a imprimir eficácia e eficiência à gestão das coleções e a fazer uma gestão mais racional do tempo empregue pelas equipas nestas rotinas, que poderá ser aproveitado de outra forma, quer na produção de outros produtos e conteúdos, quer na concepção e oferta de novos serviços em prol do utilizador, como por exemplo, o caso do envolvimento em equipas de projetos multidisciplinares vocacionadas para a indexação automática dos documentos digitais. É neste contexto que a área da inteligência artificial tem vindo a assumir relevância relativamente à organização e representação do conhecimento, causando impacto no seio das bibliotecas pela utilização de sistemas informáticos com componentes de inteligência artificial, no âmbito da representação dos documentos (catalogação, classificação, thesauri, indexação e catálogos em linha), na melhoria das estratégias de pesquisa e na formulação e reconhecimento das intenções subjacentes às questões efetuadas pelos utilizadores.

Desenvolver estudos e projetos no âmbito da web semântica é, não só, uma perspetiva futura como uma necessidade de desenvolvimento para as bibliotecas que se tem vindo a evidenciar. O caminho ainda é longo, pois ainda há bastantes dificuldades, sobretudo ao nível do desenvolvimento das competências dos bibliotecários neste domínio, como também, a dificuldade de integrar equipas multidisciplinares com informáticos para o desenvolvimento deste tipo de estudos e aplicação dos mesmos a novos projetos e realidades.

 

A utilização da “nuvem” nas bibliotecas, quer para o armazenamento de dados e documentos, quer para o desenvolvimento de serviços e aplicações, trás vantagens consideráveis em termos de custos com a aquisição de hardware/software, mobilidade e portabilidade da informação e participação em processos de investigação colaborativos e à distância, existindo porém, algumas desvantagens que poderão ser, no entanto, contornáveis a curto prazo, como é o caso da segurança dos dados e a questão da ausência de legislação neste âmbito.

A questão da preservação de documentos, sobretudo a preservação digital, é uma temática que nas últimas décadas tem vindo a preocupar as bibliotecas. Os problemas são diversos e têm a ver sobretudo com a rápida obsolescência das tecnologias envolvidas na preservação dos documentos devido aos rápidos avanços tecnológicos; a durabilidade dos suportes que pode colocar a médio prazo os documentos digitais em situações de fragilidade e as dificuldades de gestão dos próprios metadados com qualidade suficiente para permitir uma boa recuperação à posteriori.

Também no seio da comunidade académica e laboratórios de investigação, a produção, gestão e manuseamento de uma larga dimensão de dados científicos numa base diária colocam a questão do modo como se preservarão esses dados e transformarão nos próximos anos, a curadoria de dados num serviço extremamente valioso e com os olhos postos no futuro, onde as bibliotecas deverão intervir. Este processo de curadoria de dados, tal como é definido pelo “Digital Curation Centre” (http://.www.dcc.ac.uk) envolve todo um ciclo de vida desde o planeamento, captação e criação dos dados, até à sua manutenção e descrição através de metadados, arquivo, preservação, acesso, reutilização e transformação no futuro, desses dados noutros dados científicos.

A maior parte dos dados científicos são únicos e irrecuperáveis em caso de perda ou destruição. As bibliotecas podem assumir aqui um papel preponderante na definição de procedimentos de conservação e preservação, cumprindo a sua missão ancestral como protetora do património documental institucional e, ao mesmo tempo, participando como parceira nos projetos de investigação da instituição, através da elaboração de um programa de preservação institucional que permita poupar tempo, recursos e gerir da forma mais adequada o investimento feito. Sem haver esta preocupação de preservação dos documentos digitais, a instituição poderá ficar fragilizada, vulnerável e dependente de dados obsoletos.

 

Todas estas mudanças trazidas para o seio das bibliotecas pela aplicação das tecnologias e pelo eclodir de novas coleções de âmbito digital, a par de novos procedimentos na gestão e preservação documental, produzirão necessariamente mudanças nas competências dos seus bibliotecários que terão que se adaptar aos novos tempos, novos procedimentos e com proatividade, oferecer serviços centrados nas necessidades dos seus utilizadores, que também se vêm confrontados no seu dia-a-dia com este novo ambiente digital.

Baseando-nos num inquérito realizado a bibliotecas académicas portuguesas e europeias e a utilizadores universitários portugueses, e tendo por base o euro-referencial I-D do European Council of Information Associations, relativos ao grupos de competências informação, tecnologias, comunicação e gestão, apresentaremos, na perspetiva destas bibliotecas e utilizadores inquiridos as competências atuais e a desenvolver futuramente pelos bibliotecários para corresponderem a estes novos desafios.

Em conclusão, as bibliotecas da saúde, estão perante um mundo novo que o ambiente digital veio trazer às suas práticas quotidianas. Ao longo das últimas décadas as bibliotecas souberam corresponder de imediato a todas as transformações, concebendo novos serviços e conteúdos de acordo com as necessidades e novo perfil dos seus utilizadores. Chegou a vez de olhar para as suas coleções, que nos últimos anos também sofreram transformações e são atualmente híbridas com enfoque no digital. Chegou também o tempo em que as bibliotecas participam cada vez mais na visão e estratégia de desenvolvimento da sua comunidade académica  e em que o apoio à investigação científica é crucial para a sustentabilidade da própria instituição. Assim, os processos de curadoria dos dados científicos e a sua ligação às publicações científicas dos investigadores são um passo em frente para o assegurar a continuidade, a qualidade e o desenvolvimento da investigação científica no futuro por outras equipas e outros investigadores. E preservar o passado assegurando a continuidade e reutilização no futuro, é, e sempre, foi a missão primordial das bibliotecas ao longo da história.      

Author Biographies

Paula Sousa Saraiva, Universidade de Évora - Doutoramento em Ciências da Informação e Documentação

Doutorada em Ciências da Informação e da Documentação pela Universidade de Évora, é Chefe de Divisão na Biblioteca do ISCSP.

De 2000 a 2010, foi na Faculdade de Medicina de Lisboa, coordenadora do núcleo de difusão da informação e biblioteca digital e em 2008 foi Chefe de Divisão do Instituto de Formação Avançada. Foi ainda de 2005-2007 membro do Conselho Diretivo e de 2005 a 2009, Docente Livre em Literacia da Informação.

Co-Chair da Comissão Científica da 12ª Conferência da EAHIL, Estoril, 2010, integrou ainda as Comissões Científicas da 13ª Conferência da EAHIL (Bruxelas, 2012), das X Jornadas da APDIS, (2012) e do Workshop da EAHIL (Estocolmo, 2013).

É membro da APDIS (vogal do Conselho Fiscal de 2003 a 2009); da BAD (vogal do conselho fiscal de 2014-2016) e da EAHIL desde 2000.

Paulo Quaresma, Professor Associado no Departamento de Informática da Universidade de Évora.

É Professor Associado no Departamento de Informática da Universidade de Évora. Foi Diretor da Escola de Ciências e Tecnologia da referida Universidade de 2009 a 2013 e é membro de Comissões de Curso de Informática e de Ciências de Informação e Documentação. Nos últimos anos orientou diversos trabalhos de Doutoramento e de Mestrado nestas áreas, tendo publicado várias dezenas de artigos científicos em revistas e conferências internacionais. 

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Published

2014-04-26